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A ditadura da liberdade de expressão

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Em 1985, duas coisas extremamente importantes aconteceram. A primeira, e mais importante, foi o meu nascimento. Deus recrutou um espírito estudioso das trocas intertemporais e deu-lhe uma missão importante: “Você, Marília, vai ensinar renda fixa aos pequenos investidores!”. Ou, pelo menos, é assim que eu fantasio e gostaria que tivesse acontecido (rs)…
A segunda, e realmente importante, foi o fim da Ditadura Militar. De 1964 a 1985, não havia liberdade de expressão, e só podíamos expor nossa opinião verdadeira se ela estivesse de acordo com o pensamento ditatorial.
Eu achava que, tendo nascido em 1985, nunca saberia como é ter minha opinião cerceada, como é ser ideologicamente perseguida pelo que penso e como é ser pressionada a pensar diferente.
Mas, pelo privilégio que me foi dado de falar para tantas pessoas ouvirem, entendo hoje que a ditadura não acabou, ela só mudou de nome, e hoje se chama “Ditadura da Liberdade de Expressão’.
Aqui, primeiro se deixa falar, depois se condena.
E, se a alteração de um regime não muda a carência de liberdade, certamente é porque o caráter ditatorial está dentro de cada um de nós, entranhado inconscientemente na nossa natureza humana. Temos todos um pequeno ditador dentro de nós, que, quando se sente atacado, se manifesta dizendo: “cortem a cabeça”.

Na ditadura da liberdade de expressão, eu abençoo e defendo o direito de todos terem opiniões … iguais às minhas! Mas reprimo, pressiono e agrido todos que tenham opiniões contrárias. As opiniões que compartilho são verdadeiras, embasadas, lógicas e óbvias. As opiniões com as quais não concordo são falaciosas, deturpadas, inverídicas, inocentes ou perigosas.
Esse fenômeno está acontecendo nas mais diversas áreas. Começou forte na política, mas entra também nos relacionamentos, nos investimentos e nos órgãos reguladores.
O problema é a distância que se cria entre as diferentes correntes de pensamento. Mais ainda, é a distância que se cria entre as pessoas.
Em um relacionamento amoroso, nunca teremos duas pessoas pensando exatamente da mesma forma. Diferenças existem e, em um casamento, temos que aprender a lidar com elas. Um lado mostra o que é importante para ele, e o outro acomoda as reivindicações na medida do possível. Brigas maiores acontecerão, pois certas coisas são muito importantes para os dois.
Mas, se um canal de comunicação livre e contínuo não for encontrado, só há duas alternativas possíveis: evitar o confronto aumentando a distância, ou partir para a briga frontal e agressiva. Ambas as opções destroem o casamento (independente de ele continuar no papel ou não).
O que serve para o relacionamento amoroso também serve para as discussões políticas.
No artigo anterior, dei minha opinião a respeito do tamanho do Estado. Recebi um grande número de emails e tuites. Alguns com fortes elogios, alguns com educadas ponderações e alguns com xingamentos e agressões.
A essa altura do campeonato, estou mais acostumada aos famosos “haters” e não me deixo levar pelas agressões. De certa forma, sinto até um pouco de simpatia. Eles me lembram da Marília no passado. Eu, na minha inocência adolescente, acreditava que minhas opiniões eram mais verdadeiras que as dos outros e que isso justificava uma defesa mais contundente. Nunca xinguei, mas não foi por falta de vontade (por que mentir?).
E não pense que estou falando apenas dos “defensores da esquerda”. Uma vez escrevi um artigo para O Financista chamado “A Direita não está preparada para assumir o Brasil”. Era um artigo bem ponderado, em que eu mostrava que a Esquerda também não estava preparada. Mas o título foi suficiente para que eu recebesse uma série de comentários sobre a quantidade de neurônios que haviam na minha cabeça, além de outras coisas bem piores. Sim, foi engraçado, mas triste também.
Eu também permitia que o meu pequeno ditador interno falasse em meu nome. A Marília, adulta e madura, não entrava tanto no jogo com ponderações acomodatícias.
Se pedissem: que beba um shot quem nunca se afastou de um amigo por discordar de suas posições políticas, eu certamente tomaria alguns.
E olha que eu me considero muito ponderada e tranquila, mas faz parte da minha natureza querer ditar o correto. Faz parte de todos nós.

Marilia Fontes

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redação

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